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Para que servem os sonhos?

Aug 14, 2023

Por Amanda Gefter

No final da década de 1990, um neurocientista chamado Mark Blumberg estava num laboratório da Universidade de Iowa observando uma ninhada de ratos dormindo. Blumberg estava então perto dos quarenta; os ratos eram recém-nascidos e se sacudiam e sofriam espasmos enquanto dormiam. Blumberg sabia que os animais estavam bem. Ele costumava ver seus cães mexendo as patas enquanto dormiam. Ele sabia que as pessoas também se contraem durante o sono: os nossos músculos contraem-se para fazer movimentos pequenos e bruscos, e os nossos olhos fechados movem-se de um lado para o outro num fenómeno conhecido como movimento rápido dos olhos, ou REM. Normalmente é durante o sono REM que temos nossos sonhos mais vívidos.

Os neurocientistas há muito que têm uma explicação para os nossos espasmos sonolentos. Durante o sono REM, dizem eles, nossos corpos ficam paralisados ​​para nos impedir de realizar nossos sonhos; as contrações são os movimentos que escapam pelas rachaduras. São restos de sonhos – indícios externos de um drama interno. Os adultos humanos passam apenas cerca de duas horas por noite no sono REM. Mas os fetos, no terceiro trimestre, estão em REM durante cerca de vinte horas por dia – os investigadores que utilizam ultrassons conseguem ver os seus olhos a moverem-se de um lado para o outro – e todo o seu corpo parece tremer. Quando uma mãe sente o bebê chutar, pode ser porque o bebê está no sono REM. Depois de nascidos, os bebês continuam a passar uma quantidade incomum de tempo em REM, muitas vezes dormindo dezesseis horas por dia e sonhando durante oito.

Cada vez mais, esses fatos pareciam estranhos a Blumberg. Nos adultos, os sonhos são ramificações da vida desperta: temos experiências, depois sonhamos com elas. Mas um bebê no útero não teve nenhuma experiência. Por que passar tanto tempo no REM antes de ter algo com que sonhar? De acordo com a teoria dominante, os olhos trêmulos dos ratos supostamente olhavam ao redor, para um cenário de sonho. Mas os filhotes de ratos tinham apenas alguns dias; suas pálpebras ainda estavam fechadas e eles nunca tinham visto nada. Então, por que seus olhos – e seus bigodes, membros e caudas – se contraíam centenas de milhares de vezes por dia?

Blumberg decidiu testar a teoria dos detritos dos sonhos. Ele removeu cirurgicamente o córtex dos ratos – a região do cérebro, envolvida nas imagens visuais e na experiência consciente, onde se acreditava que os sonhos se originavam – deixando intacto apenas o tronco cerebral, que controla as funções corporais subconscientes. Os filhotes adormecidos continuaram a se contorcer exatamente como antes. “Não havia como os espasmos serem um subproduto dos sonhos”, disse-me Blumberg, quando conversamos no outono passado.

Agora com sessenta anos, Blumberg é presidente do Departamento de Ciências Psicológicas e do Cérebro da Universidade de Iowa. Ele passou os últimos vinte anos estudando o desenvolvimento sensório-motor – o processo pelo qual o cérebro de uma criança se liga ao seu corpo. As contrações musculares há muito eram ignoradas pelos pesquisadores sensório-motores. “Se desde Aristóteles lhe disseram que eles são resquícios de sonhos, bem, quem quer estudar um resquício?” ele disse. Mas, na verdade, a ciência dos sonhos estava longe de estar resolvida. Os freudianos acreditavam que continham desejos reprimidos, retirados dos cantos sombrios da vida psíquica; muitos neurocientistas os consideram uma conversa cerebral aleatória. Algumas teorias sugerem que os sonhos consolidam as nossas memórias, outras que nos ajudam a esquecer. Com espasmos, Blumberg identificou um novo fio condutor no mistério do sonho. Ao puxar, ele poderia desvendar o todo?

Durante séculos, a forma como pensamos sobre os sonhos moldou a forma como pensamos sobre as mentes. Na noite de 10 de novembro de 1619, René Descartes sonhou que estava cambaleando pela rua perseguido por fantasmas. Seu lado direito estava fraco e um redemoinho o girou violentamente sobre o pé esquerdo; ele passou mancando por um homem que de repente percebeu que conhecia, depois se virou para falar com outro homem, que lhe disse para ir ver Monsieur N., que tinha algo para lhe dar. Descartes sabia o que era: um melão.

Um pensador menor poderia ter visto neste sonho um desejo por melão. Mas, para Descartes, a sua vivacidade parecia sugerir uma clara disjunção entre o corpo e a mente: nos sonhos, o corpo permanece adormecido enquanto a mente corre livre. Hoje, os cientistas muitas vezes fazem uma distinção semelhante, embora entre o corpo e o cérebro, e não entre a mente imaterial.